FOCO + DETERMINAÇÃO = MUDANÇA
- Marcelle Maria
- 8 de mar. de 2017
- 7 min de leitura
O esporte como facilitador na mudança de comportamentos e transformador de vidas.
“Antes de conhecer o Jiu-jitsu eu bebia, usava drogas e só queria saber de curtição. A rotina de treinos com foco e objetivos traçados, me fez abandonar as coisas ruins que fazia.O esporte mudou minha vida”. Esse é o relato do jovem Vinícius Lessa, 18, que faz parte do Projeto Social Solara Jiu-Jitsu em Maceió, a pouco mais de um ano.

Através de alguns amigos que já participavam do projeto, Vinícius conheceu o esporte. Antes de começar, levava uma vida sem compromisso, ainda na adolescência havia deixado os estudos e seu tempo livre nos finais de semana era dedicado a festas e baladas na companhia de amigos.
Mesmo possuindo um perfil tímido ele encontrou no tatame um novo estilo de vida, passando a olhar o mundo de uma forma mais ampla e construir relacionamentos saudáveis, aprimorando a convivência e comunicação com o próximo.
“Quando Vinícius chegou ao projeto, ele era bastante problemático, vivia na vida errada. Hoje ele tem mais disciplina, é um menino dedicado, não tem mais problemas em casa e no tatame tem se superado. Meu intuito é indicá-lo para competições fora do Estado”, diz seu professor, Alexandre Nunes.
O Jiu-jitsu é uma arte marcial japonesa que utiliza como principais técnicas golpes de alavancas, torções e pressões para derrubar e dominar um oponente. Seu nome significa ‘arte suave’ e nasceu como contraponto às artes rígidas, que eram executadas com a espada.
Diferente da vida real, onde para muitos o chão é o fim, no Jiu-jitsu o chão é o começo de tudo, onde o lutador utiliza o emprego da própria força e, quando possível, da força do adversário, com técnicas de solo que o possibilitam, mesmo com tipo físico inferior à do oponente, como em algumas categorias, conseguir vencer. A arte marcial usa todo o corpo como instrumento de combate e pretende ainda beneficiar-se do oponente, utilizando sua energia e seu próprio corpo, por intermédio de projeções, imobilização, contusões etc.
Não só o Jiu-jitsu, mas o esporte em várias modalidades e categorias, de fato muda vidas. A prática esportiva aliada à vontade de vencer é capaz de transformar não somente corpos e mentes, mas também histórias. Em uma busca rápida pela internet, é possível encontrar vários relatos de pessoas com diferentes tipos de problemas que tiveram suas vidas e rotinas transformadas, após iniciar a prática de algum esporte. Ele pode ser um importante instrumento de superação, para pessoas que não possuem disciplina, são ansiosas ou tímidas.
A rigorosidade dos treinos não permite fazer corpo mole, tanto Vinícius como os demais integrantes do projeto, treinam de segunda a sexta, das 15 às 17h, sempre focados nas competições e nos desafios que o esporte traz, instruídos pelo professor Alexandre Nunes, que há dez anos dedica sua vida ao esporte que escolheu como profissão.

A prática de esportes vem sendo utilizada em trabalhos sociais para as crianças, adolescentes e jovens, com o intuito de preencherem construtivamente o tempo livre e os tirarem das ruas. Com este trabalho, os valores necessários para o crescimento de uma criança ou de um adolescente são aplicados e a inclusão social e o respeito são colocados em primeiro lugar.
Foi com esse objetivo que o empresário André Papini idealizou o Projeto Social Solara Jiu-Jitsu. Apaixonado por esporte, André resolveu criar oportunidade para jovens que quisessem mudar de vida através da prática esportiva.
O projeto funciona nas dependências anexas à empresa de água mineral Solara, localizada no bairro Village Campestre II em Maceió. Não possui limite exato de pessoas para se inscrever. O intuito é alcançar crianças, jovens e adultos de todos os bairros, trazendo para o tatame seres humanos interessados pelo esporte, independente da classe social, cor ou religião.
Durante todo o dia, cinco faixas preta se dedicam a passar seus conhecimentos, técnicos e práticos, para alunos de várias idades que integram o projeto, sendo um deles o professor titular.
Alexandre Nunes, está no projeto desde o início, há quase dois anos. Assim como seus alunos, Nunes, como é chamado por eles, entrou no esporte com o objetivo de mudar seu próprio estilo de vida. Ele se considerava um rapaz nervoso, inconstante e indisciplinado. A partir da prática de esportes, como o próprio Jiu-jitsu, box, muaythai e MMA, conseguiu controlar a ansiedade, começou a ter disciplina, foco, se tornando uma pessoa melhor para si e para os outros.

Além de passar as técnicas do esporte para seus alunos, Alexandre faz questão de dar conselhos sobre a vida. “Me sinto como um pai para eles”. | Créditos: Divulgação
“O esporte me ajudou muito na vida emocional, hoje eu tenho equilíbrio total. Não durmo tarde, não saiu para curtir a noite, não bebo nem fumo. Vou à igreja, minha vida é inteiramente dedicada à família a ao esporte. É justamente esse o estilo de vida que tento passar para meus alunos no tatame”, exemplifica.
Alexandre já participou de várias competições, dentro e fora do Estado. Sua próxima missão é lutar o Campeonato Brasileiro de Jiu-jitsu, que reúne os melhores lutadores do esporte, em várias categorias. “Nunca fiquei para trás, sempre conquistei medalhas, em primeiro ou segundo lugar, em diferentes categorias”, comemora.
O professor possui um jeito peculiar de ensinar Jiu-jitsu. Para ele, o esporte deve funcionar não apenas para saúde e lazer, mas deve contribuir para a formação de melhores cidadãos, atuando como agentes do bem e disseminando boas práticas por onde passam, como respeitar os mais velhos, honrar os pais, ter um bom relacionamento com as pessoas.
Para isso, entre uma técnica e outra, todos os dias os alunos são levados a refletirem sobre seus atos e escolhas, Alexandre cita para os alunos frases de incentivo e ensinamentos, trazendo exemplos de outros atletas e até mesmo colegas de tatame, que de acordo com sua dedicação, conseguiram alcançar prêmios e registrar sua participação na história do Jiu-jitsu em Alagoas. “Sabe qual é o sonho de todo atleta? É subir no pódio, é tentar ser campeão. Então não pode ter espaço para brincadeiras, é foco sempre”, diz aos alunos, enquanto dá a aula.
O objetivo proposto deve ser alcançado, portanto, concentração e muito esforço estão presentes nos 200m² do tatame e no kimono ressumado dos atletas. Quando o esporte deixa de ser apenas fonte de prazer, bem-estar e saúde, atingindo a partir de então a esfera profissional, a prática esportiva ganha novas dimensões. É a velha história de unir o útil ao agradável, pois o atleta se diverte, melhora o condicionamento físico e ganha a vida fazendo o que ama.
O LOCAL
Por ser um projeto financiado pela empresa de água mineral Solara, o ambiente utilizado para as aulas de Jiu-jitsu é bem cuidado. O tatame, possui 200m², com capacidade para cerca de 12 alunos por vez, em cada aula. A casa onde são feitos os treinos é uma chácara, bastante extensa, com uma área externa grande e arejada, onde os alunos podem fazer alongamentos e dinâmicas. Os materiais de aula, como o Kimono, são doados no próprio projeto assim também como a remuneração doprofessor. Os alunos gastam apenas com o transporte e para se inscrever nas competições.
Mas não é assim em todas as escolas esportivas no Estado. O único projeto que tem o Jiu-jitsu como opção de esporte promovido pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SEMEL) em Alagoas, é o ‘Viva Vila’. O projeto funciona na Vila Olímpica Lauthenay Perdigão, no Village Campestre há mais de cinco anos. Porém, um portal alagoano de esportes, publicou no ano passado em seu site, uma matéria que expunha o descaso e falta de investimento na manutenção do local.
Na reportagem, outras modalidades foram citadas, que permanecem funcionando pelo empenho dos professores, mas o Jiu-jitsu não. Assim como o Projeto Social Solara, o complexo esportivo se localiza em um bairro onde a criminalidade e a desigualdade chama a atenção, onde o objetivo também não poderia ser diferente: tirar pessoas da ociosidade e das drogas, pois o bairro onde estão localizados é bem vulnerável a isso.
Além desses dois projetos, outras sete academias são registradas no site da Federação de Jiu-jitsu Esportivo/Tradicionaldo Estado de Alagoas (FJE-TAL), a maioria delas, academias privadas, onde é necessário pagar para fazer as aulas, o que gera uma impossibilidade para essas crianças e adolescentes de comunidades carentes.
A Federação é responsável pela pelo Campeonato Alagoano de Jiu-jitsu, e filiada da CBJJ (Confederação Brasileira de Jiu-jitsu) e da InternationalBrazilian Jiu-jitsu Federation (IBJJF).
DO BEM!
O Solara Jiu-jitsu está ligado diretamente ao projeto “Lutando Pelo Bem”. Esse projeto é idealizado pelo faixa preta Cícero Costha, em São Paulo, direcionado para jovens que veem de meios mais pobres, focado em criar objetivos para a juventude e um sentimento de cidadania naqueles que a sociedade deixou de lado.
Todas as mais de 100 escolas do Jiu-jitsu, filiais do projeto Lutando Pelo Bem, espalhadas por todo o Brasil, funcionam com o mesmo objetivo proposto por seu idealizador, que coleciona premiações em lutas e competições no Brasil e no mundo, tanto pessoais quanto da equipe.
Cícero é o exemplo máster a ser seguido pelos lutadores do projeto Solara. Em 2015 o atleta esteve na capital, visitando o projeto Solara e dando palestra para os alunos. Sua passagem por Maceió foi notícia nos principais portais de notícia, pela referência que Cícero representa para o Jiu-jitsu, em âmbito nacional e internacional.

Ele é natural de Palmeira dos Índios, Alagoas, radicado em São Paulo há 17 anos, onde conheceu o jiu-jitsu e começou a dar aulas. A visita do Mestre foi de extrema importância para os alunos do projeto, pois Cícero é responsável por formar grandes campeões, e sem dúvida foi um grande incentivo para os atletas.
Hoje em dia o esporte é praticado não só por homens, mas também por mulheres, de várias idades. A exemplo, a aluna Letícia Queiroz, 17. Ela participou este ano da I Copa Maria Bonita de Jiu-Jitsu, o primeiro evento exclusivamente feminino em Alagoas. A competição reuniu as melhores atletas alagoanas e de Estados nordestinos, onde Letícia saiu com a medalha de ouro. Na aula da segunda-feira que sucedeu a luta, o professou fez questão de destacar a brilhante participação da aluna na competição, como incentivo para os companheiros.
Com apenas quatro meses no esporte, Letícia é mais um exemplo de aluna que, apesar de dificuldades, tem se destacado no tatame. Moradora de um bairro popular na capital alagoana, o Jacintinho, ela enfrenta diariamente cerca de 15km, utilizando transporte público para chegar as aulas. As condições financeiras dificultam, mas não impendem que a estudante chegue aos treinos, pois ela reconhece a importância da prática do esporte. “Hoje enxergo no Jiu-jitsi a possibilidade de um futuro melhor, visando sempre o crescimento moral e ético, proporcionando grandes competidores, vencedores na vida e no tatame”, declara a jovem, que pretende seguir carreira no Jiu-jitsu.
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