Mentes que salvam
- Ana Flávia Machado
- 1 de mai. de 2017
- 4 min de leitura
Como a robótica trouxe esperança a criadores de cavalos em Alagoas

Imagine que seu animal de estimação contraiu uma doença que não tem cura, que o tratamento é doloroso e que, devido a isso, ele pode ser sacrificado a qualquer momento. Agora imagina que foi encontrada uma solução inovadora, capaz de trazer a saúde do seu bicho de volta e livrá-lo do sofrimento.
Foi o que a turma do Ensino Médio do Sesi/Senai de Atalaia, município da Região Metropolitana de Maceió, fez ao criar a botinha, nome carinhoso dado a Ortofibra, que auxilia no tratamento da Laminite, doença que atinge as patas dos cavalos.
O grupo Atabótica (junção de Atalaia com robótica) foi o inventor do produto. Composto por sete estudantes e dois técnicos, ele utilizou a robótica, ramo da tecnologia que utiliza computadores, robôs e informática para criações mecânicas que podem ser controladas automaticamente ou manualmente. E o melhor, pode ser usada no dia a dia, trazendo agilidade e eficiência nas atividades humanas e até mesmo animais.
O intuito da equipe era o de criar algo que melhorasse a relação do homem com o animal. O cavalo foi o escolhido, um bicho que tem uma relação muito próxima com o ser humano, desde sua participação em esportes, como no hipismo, até em terapias para crianças portadoras de doenças ou transtornos, como o autismo.
(Arte - equoterapia)
O problema? A Laminite, uma doença que atinge o casco do eqüino e causa um deslocamento, deixando o osso da pata exposto e de contato direto com o chão, causando muita dor e sofrimento. Ela é responsável por provocar a perda da função locomotora do animal.
(Vídeo).
As afecções dos membros locomotores, no qual se enquadra a laminite, são as principais causas de afastamentos dos cavalos em atividades esportivas e de trabalhos. Isso acarreta em prejuízo financeiro. Segundo um levantamento realizado pelo Departamento Americano de Agricultura Animal e Saúde Vegetal, anualmente os Estados Unidos têm perdas milionárias porque 75% dos animais com o problema ficam com sequelas graves e não podem mais retomar as funções.
A botinha da Esperança
A botinha foi finalizada em fevereiro deste ano, depois de duas tentativas até o aprimoramento. O primeiro teste foi realizado no cavalo Xodó. Ele estava na fase inicial da laminite, e em três dias de uso apresentou uma melhora significativa.
“De início a gente pensou em fazer prótese para os eqüinos, porque os cavalos acabavam sendo sacrificados quando tinham que amputar a pata. Mas descobrimos que para fazer as próteses seria mais complicado e os cavalos não se adaptam muito bem e acabam entrando em depressão”, explica Lorena Matos, 16 anos, estudante que participa do projeto desde o início.
O Cavalo Patacho foi presenteado com a botinha e melhorou sua qualidade de vida. Se antes ele não podia ficar em pé, por causa das fortes dores, hoje ele anda e consegue viver de forma mais confortável.
Para fazer a botinha, o grupo tem a ajuda da indústria Glastec, que doa materiais e concede o laboratório; de uma empresa de órtese que deu apoio técnico de como construir a ortofibra; e de um grupo da Universidade Federal de Alagoas de Viçosa, o Grupo de Extensão Pesquisa em Equíneos (Grupequi), especializado na Laminite, e que auxiliou os estudantes a encontrar um problema e a elaborar o produto inovador.
Botinha, um produto?
O ponto interessante da robótica é que ela pode ser usada no dia a dia, e neste caso, a botinha, além de eficaz, é inspiradora, pois quando aplicada, pode salvar uma vida. Não é de se estranhar que pessoas já estejam interessadas em adquiri-la, principalmente criadores de cavalos e empresas de órtese.
Radjalma Prado viu na botinha a esperança de sobrevivência para seu cavalo Campário, que ao adquirir a Laminite ficou impossibilitado de andar. Hoje , com o uso da ortofibra, ele se diz feliz e agradecido pela invenção e por ganhar o presente. Em contato com a reportagem ele conta a história de Patacho (aqui).
A Atabótica doou mais dois exemplares como forma de experimentos. Segundo o professor de Física e orientador da turma, André Vigário, todos eles têm dado certo e ajudado significativamente na redução do sofrimento do cavalo. Um exemplar está sendo usado por um equino do Grupequi na Ufal de Viçosa. Outro utilizado por um cavalo, em Sergipe.
Agora, de acordo com professor André, há uma busca das empresas para que a ortofibra vire um produto. O valor da produção, de acordo com a Atabótica, é de R$30,00. Se for comercializada, a botinha pode custar R$ 60,00, um preço acessível e viável se comparado a outros tipos de tratamentos contra a laminite que existem no mercado.
(Arte de valor de produção e valor dos materiais utilizados)
Competições
Desde o primeiro exemplo de órtese, até o aperfeiçoamento, finalizado em fevereiro deste ano, o tempo foi de apenas quatro meses. Parece pouco, mas foi suficiente para que os estudantes participassem de diversas competições em âmbito estadual, regional e nacional.
A botinha oficial foi apresentada na etapa regional da FLL (First Lego League) em Salvador, Bahia, em fevereiro deste ano. O tema da temporada 2016/2017 foi Animal Allies e Core Value. Mas antes disso, a invenção inicial foi exposta na Olimpíada do Conhecimento, em novembro do ano passado, em Brasília.
Em março deste ano, a equipe voltou ao estado para participar de outro torneio nacional. No total, a turma já coleciona sete troféus: dois nacionais, dois regionais, um da olimpíada do conhecimento, dois torneios internos e uma classificação internacional a ser realizada em junho na Inglaterra.

André Vigário, explica que apesar das conquistas, a todo o momento a equipe tem dificuldades em se manter e conseguir recursos para custear as viagens, sendo necessário, muitas vezes, fazer cotinhas para arrecadar fundos. O grupo teve que cancelar a sua participação no Reino Unido, em uma competição que ocorre em junho de 2017.
“Na realidade a gente tinha sido selecionado para a próxima etapa, que é internacional. Tenho convicção que a nossa pesquisa tinha grandes chances de ganhar um prêmio fora. Porque, quem tem cavalo, sabe da importância desse projeto complexo e que não tem maquiagem, porque é algo real”, diz o professor.
A equipe desistiu de competir na Inglaterra porque não conseguiu arrecadar dentro do prazo um valor de R$ 80 mil para custeio de passagens das equipes. Os estudantes teriam até o dia 3 de março para garantir que fariam a viagem.
“A gente barra na falta de incentivo. Vamos às autoridades e não recebemos ajuda. Lançamos a ideia e esperamos que não ela caia no esquecimento. Nós, como professores, temos as nossas limitações, mas nossa parte estamos fazendo”, finaliza André Vigário.
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